5 de set. de 2011

KASPAROV - ENTRE O XADREZ, A POLÍTICA E A INOVAÇÃO

Diego Viana | Valor Econômico

“Que chance teria Fernão de Magalhães de conseguir financiamento para sua volta ao mundo hoje em dia?” A pergunta é de Garry Kasparov, 48, um dos maiores, senão o maior enxadrista de todos os tempos. Ele explica o projeto de seu próximo livro, “The Blueprint”, escrito em coautoria com Max Levchin e Peter Thiel, criadores do site Paypal. “Chance nenhuma” é a resposta: sem mapas, sem a certeza de que a Terra é mesmo redonda, com alta probabilidade de jamais retornar à Europa, o explorador português não teria chances com os bancos de hoje, pautados pela supressão do risco. O diagnóstico é sombrio: a inovação, hoje, é “horizontal” e consiste em melhorias marginais em ideias surgidas, no mais tardar, há mais de 30 anos. O livro estará à venda em março de 2012.

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Kasparov está no Brasil para uma série de eventos em Brasília, São Paulo e Porto Alegre. Seus planos para o país incluem mais do que a partida que disputou com o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, e outras 14 pessoas, entre elas a jovem mestre Katherine Vescovi, de 12 anos. Kasparov anunciou que a fundação que leva seu nome, sediada nos EUA e dedicada à disseminação do ensino do xadrez nas escolas, estuda abrir escritórios em São Paulo e Buenos Aires, para reforçar suas atividades na América Latina.

O enxadrista abandonou sua vitoriosa carreira oficialmente em 2005 para se dedicar à política, como opositor a Vladimir Putin, ex-presidente, hoje primeiro-ministro e em 2012 novamente candidato à presidência russa. Em Porto Alegre, sua apresentação no seminário Fronteiras do Pensamento, hoje (dia 5), versará sobre a política russa e os direitos humanos. Em São Paulo, porém, ele se encontrou com executivos e jornalistas, informando logo no início que o assunto seria o xadrez. A política teria de ficar de lado, a não ser pelos elogios iniciais à democracia brasileira, em comparação com o autoritarismo de seu país.

Surpreendentemente, o enxadrista revela que os governos com que tem mantido conversas são receptivos à ideia de ensinar, às vezes obrigatoriamente, o xadrez em suas escolas. “Acontece que o xadrez tem uma grande eficiência de custos”, explica. “Só precisa de professores e tabuleiros. Nada de construir quadras, estádios, laboratórios, redes informatizadas. É bem mais barato e os resultados são enormes.”

Kasparov conta de uma experiência realizada na Alemanha. Alguns alunos tiveram reforço nas aulas de matemática; outros tiveram aulas de xadrez. Ao fim do ano, o desempenho do segundo grupo superou o primeiro, celebra o enxadrista, também nos exames de matemática. Os benefícios do jogo, elencados por um de seus maiores campeões, são o incremento do raciocínio estratégico, a capacidade de concentração e o reconhecimento de suas próprias forças e fraquezas.

Esse autoconhecimento é o que Kasparov afirma enxergar em si próprio. Tanto nas partidas quanto fora delas, ele se diz capaz de reconhecer os limites de seus atributos e pautar suas atitudes segundo esse conhecimento. O benefício é comparado a doutrinas que pretendem ensinar soluções únicas para todas: “Veja a diferença entre o futebol brasileiro - jogo bonito [em português] - e o italiano. No entanto, um tem cinco títulos mundiais, o outro tem quatro”.

Tendo sido o primeiro grande mestre a perder uma partida para um computador (o Deep Blue, da IBM, em 1996), Kasparov tem um interesse particular por máquinas que jogam xadrez. Enfrentou também, por exemplo, “Deep Thought” em 1989, “Deep Junior” em 1993 e X3D Fritz, no mesmo ano. “Hoje em dia, qualquer computador pessoal tem programas mais sofisticados do que o Deep Blue”, afirma.

Por outro lado, ele aponta que os jovens enxadristas, alimentados com um estoque de conhecimentos sobre jogadas possíveis que nenhum jogador tinha na época de Kasparov, enxergam cada vez mais possibilidades de jogadas, mas desenvolvem cada vez menos a estratégia de longo prazo. “Eles dizem: podemos fazer isso e isso agora. Eu pergunto: aonde queremos chegar ao final? Eles não sabem responder.”
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Diego Viana é jornalista do Valor Econômico