27 de jul. de 2009

SUPERMÁQUINAS INFLAM LUCROS EM WALL STREET

Transações de alta frequência, em que computadores emitem milhões de ordens em milissegundos, geram polêmica nos EUA. Opositores do sistema, usado por grandes bancos, afirmam que ele permite manipular sutilmente os preços das ações no pregão

CHARLES DUHIGG DO "NEW YORK TIMES"

É a novidade quente de Wall Street, um método que permite que alguns operadores adquiram informações sobre o funcionamento dos mercados de ações, observem as ordens dos investidores e, na opinião de alguns críticos, até mesmo manipulem sutilmente as ações. O método é conhecido como transações de alta frequência e repentinamente se transformou em uma das mais comentadas forças dos mercados.

Poderosos computadores permitem que os operadores de alta frequência transmitam milhões de ordens em velocidade relâmpago e, na opinião dos detratores do método, que faturem bilhões à custa dos demais participantes.

Os sistemas são tão rápidos que podem superar em velocidade ou esperteza as ações dos demais investidores, humanos ou computadorizados. E, depois de anos em desenvolvimento nas sombras, agora estão subitamente despertando muito debate.
Quase todo mundo em Wall Street gostaria de saber de que maneira os fundos de hedge e grandes bancos como o Goldman Sachs estão conseguindo ganhar tanto dinheiro logo depois de um quase colapso do sistema financeiro. As transações de alta frequência são uma das respostas.

E, quando um antigo programador do Goldman Sachs foi acusado neste mês de roubar códigos secretos de computação -um software que, de acordo com um promotor público federal, poderia "manipular mercados de maneira desleal"-, o mistério só se adensou. O Goldman admite que lucra com transações de alta frequência, mas contesta que isso seja uma vantagem desleal.

No entanto, os especialistas em transações de alta frequência estão claramente obtendo vantagem sobre os operadores típicos, quanto mais sobre os investidores comuns. A Securities and Exchange Commission (SEC, órgão que fiscaliza e regulamenta o mercado de valores mobiliários nos EUA) afirma que está estudando certos aspectos dessa estratégia.

"É com isso que todo o dinheiro está sendo ganho", diz William Donaldson, antigo presidente-executivo e do conselho da Bolsa de Nova York e hoje assessor de um grande fundo de hedge. "Se um investidor individual não dispõe de recursos para acompanhar, fica em séria desvantagem."

À medida que surgiram novos mercados, os computadores comuns se provaram incapazes de concorrer com as poderosas máquinas de Wall Street. Sofisticados algoritmos executam milhões de ordens por segundo e acompanham dezenas de mercados simultaneamente. Eles conseguem perceber tendências antes que os demais investidores pisquem, em milissegundos. Os operadores de alta frequência também se beneficiam da concorrência entre as diferentes Bolsas, que pagam pequenas comissões, muitas vezes auferidas pelos operadores maiores e mais ativos, tipicamente um quarto de centavo de dólar por ação para quem chegar primeiro. Esses pequenos pagamentos, distribuídos entre milhões de ações, ajudam os investidores de alta velocidade a lucrar só ao movimentar volume enorme de ações.

"A disputa se tornou uma corrida armamentista de tecnologia, e o que distingue vencedores de perdedores é a velocidade de seu movimento", disse Joseph Mecane, da NYSE Euronext, a empresa que gere a Bolsa de Nova York.

O aumento no número de transações de alta frequência explica por que houve uma explosão de atividade nas Bolsas dos EUA. O volume diário médio aumentou 164% desde 2005, de acordo com dados da Bolsa de Nova York. Ainda que números precisos sejam difíceis de obter, as Bolsas afirmam que alguns poucos operadores de alta frequência respondem por mais de metade das transações, no momento.

Caso Broadcom

Para compreender esse mundo de alta velocidade, considere o que aconteceu quando operadores de baixa velocidade enfrentaram os robôs de alta frequência, alguns dias atrás. Aconteceu em 15 de julho, depois que a Intel, a gigante dos microchips, reportou lucros robustos, na noite anterior. Alguns investidores, percebendo uma oportunidade, decidiram comprar ações da Broadcom, outra fabricante de chips. (As atividades deles foram descritas por um investidor que falou sob a condição de que seu nome não fosse revelado.) Os operadores mais lentos estavam diante de um dilema: se tentassem comprar grande número de ações de imediato, corriam o risco de provocar alta no preço da Broadcom.

Assim, como é comum em Wall Street, dividiram suas ordens em dezenas de pequenos lotes, na esperança de ocultar seus traços. Um segundo depois que o mercado abriu, as ações da Broadcom começaram a trocar de mãos a US$ 26,20.

Os operadores mais lentos passaram a emitir suas ordens de compra. Mas, em lugar de serem mostradas a todos os potenciais vendedores ao mesmo tempo, algumas dessas ordens provavelmente foram encaminhadas a um grupo de operadores de alta frequência por apenas 30 milissegundos -um método conhecido como "ordens flash". Embora os mercados devam supostamente garantir a transparência ao exibir as ordens a todos os interessados simultaneamente, uma lacuna na regulamentação permite que mercados como a Nasdaq exibam ordens a alguns operadores antes de aos demais, em troca de um pagamento.

Em menos de meio segundo, os operadores de alta frequência chegaram a uma valiosa percepção: o apetite por papéis da Broadcom estava aumentando. Seus computadores começaram a adquirir ações da Broadcom e a revendê-las aos operadores mais lentos, por preços mais altos. A cotação da empresa começou a subir.

Programas automatizados começaram a emitir e cancelar pequenas ordens em prazo de milissegundos, a fim de determinar quanto os operadores mais lentos estavam dispostos a pagar. Os computadores de alta frequência rapidamente determinaram que o limite superior para alguns investidores era de US$ 26,40. O preço disparou para US$ 26,39, e os programas de alta frequência começaram a oferecer centenas de milhares de ações à venda.

O resultado foi que os investidores mais lentos pagaram US$ 1,4 milhão por 56 mil ações, ou US$ 7.800 a mais do que pagariam. Se multiplicarmos essa transação por milhares de diferentes ações a cada dia, os lucros serão substanciais. Os operadores de alta frequência registraram cerca de US$ 21 bilhões em lucros no ano passado, diz a Tabb Group, uma empresa de pesquisa.

"Estamos a caminho de um mercado em dois escalões -o dos operadores de alta frequência, que ganharão poder de arbitragem, e o dos demais. As pessoas querem garantias de que terão a oportunidade legítima de um negócio justo. De outra forma, os mercados perdem sua integridade", conclui Andrew Brooks, diretor de operações de ações norte-americanas do T. Rowe Price, fundo mútuo que concorre com operadores de alta frequência e utiliza essas técnicas.