6 de jan. de 2008

UMA AULA FÁCIL SOBRE DISSONÂNCIA COGNITIVA PARA PROFISSIONAIS DE NEGÓCIOS

ABRAHAM SHAPIRO

Dissonância Cognitiva é uma teoria que afirma ser psicologicamente desconfortável ao ser humano, manter cognições contraditórias. Seu pesquisador e proponente foi o psicólogo Leon Festinger.

Cognição significa o conhecimento que uma pessoa adquire de si, do seu comportamento e do meio que a cerca. Nossas opiniões e crenças são formadas a partir de nossa cognição.

Dissonância é o mesmo que desarmonia, discordância. O contrário de dissonância é “consonância” (harmonia, acordo, convergência).

Dizemos que opiniões, crenças ou itens de conhecimento são dissonantes entre si quando não se encaixam um com o outro. Esta incompatibilidade é, portanto, a causa da “dissonância”.

Por ser um sentimento desagradável, a dissonância motiva a pessoa a substituir a cognição, a atitude ou o comportamento dissonante. É como se fosse um ajuste automático em busca de se obter equilíbrio. Por que isto ocorre? É que o ser humano tende a valorizar a coerência – tanto a própria como a dos outros.

Quando se depara com percepções, informações ou idéias em conflito, ele quer reduzir a ansiedade produzida, isto é, reduzir a dissonância cognitiva.

O que fazemos para reduzir a dissonância cognitiva?

1. Podemos tentar substituir uma ou mais crenças, opiniões ou comportamentos que estejam envolvidos na dissonância;

2. Podemos tentar adquirir novas informações ou crenças que irão aumentar a consonância

3. Podemos tentar esquecer ou reduzir a importância daquelas cognições que mantêm a situação de dissonância

Vamos estudar alguns casos que trarão compreensão mais ampla.


CASO 1.

Cláudia é uma jovem honesta, porém, não teve tempo suficiente para estudar e preparar-se para uma prova. Sob impulso, ela copia várias respostas da prova de um amigo. Este comportamento entrou em conflito com a auto-imagem que Cláudia tinha de si. Isso a deixou desconfortável, causou nela uma tensão interna muito grande – o que chamamos comumente de dor na consciência. Essa tensão é a dissonância – um sentimento desconfortável, que incomoda muito e que as pessoas, em geral, tendem a fazer o que for possível para reduzir.

Como Cláudia poderá reduzir sua dissonância e quais as conseqüências?

Cláudia poderia mudar sua atitude com relação a trapacear. Ela poderia pensar: “sob determinadas circunstâncias, não faz mal algum trapacear”.

Cláudia poderia alterar suas idéias a respeito de sua desonestidade: “foi um deslize momentâneo que qualquer pessoa poderia cometer”

Após ponderar que trapacear ajuda, Cláudia poderia decidir passara trapacear no futuro.

Seja qual for a decisão de Cláudia, ela tenderá a se sentir motivada a fazer algo relativo à contradição e ao desconforto que a acompanha


CASO 2.

Célia, uma amiga confiável, promete encontrar-se com você às 16 hs e acaba não vindo. Você tende a experienciar uma ansiedade e sentir-se motivado a reduzi-la.

Você poderia:

1. Procurar uma explicação

2. Encontrar uma justificativa

3. Cortar Célia de sua lista de amigos.

O mesmo tipo de conflito surgiria se você estivesse se sentindo seguro no emprego e soubesse que vários outros funcionários tinham sido subitamente demitidos sem qualquer explicação.


CASO 3.

O processo decisório de um negócio não termina na compra – pelo menos não para o comprador! Depois de comprado, o produto gera determinados níveis de satisfação e insatisfação.

A satisfação com a compra provém de receber de um produto os benefícios esperados ou superiores à expectativa. Se as experiências dos compradores no uso do produto superam as expectativas, eles ficam satisfeitos, mas se as experiências revelam-se aquém das expectativas, ficam insatisfeitos. Não só, como também existe uma expressão no meio do Marketing a que se chama “lacuna de valor”, definida como a dissonância de alto custo entre o valor prometido aos clientes e o valor efetivamente entregue.

Após a compra do produto, o comprador pode sentir a dissonância cognitiva com a compra. Essa dissonância causa tensão no comprador, pois ele não sabe se tomou a decisão certa na compra do bem ou produto. Algumas pessoas referem-se a esse fenômeno como “remorso do comprador”.

A dissonância aumenta com a importância da decisão e a dificuldade de escolha entre os produtos. Quando a dissonância ocorre, os compradores talvez queiram se livrar do produto, devolvendo-o ou vendendo-o a outra pessoa. Eles podem também procurar o vendedor ou amigos para se sentirem mais seguros quanto ao fato de o produto ser bom e de terem tomado a decisão certa de compra (reforçando positivamente sua decisão).

Há diversas formas pelas quais você pode ajudar o comprador a ficar satisfeito com o produto e diminuir o grau de dissonância.

Demonstre ao comprador como usar o produto adequadamente.

Seja realista nas afirmações relativas ao produto. Exageros podem gerar insatisfação.

Reforce continuamente as decisões dos compradores, relembrando-lhes que o desempenho do produto é realmente bom e que atende as necessidades deles. Lembre-se de que há situações em que os compradores podem devolver o produto à empresa vendedora após a compra. Isso cancela a venda e prejudica sua probabilidade de fazer futuras vendas a esse cliente. Ele pode, até, tornar-se um detrator da marca (pessoa que sai falando mal).

Faça o acompanhamento do pós-venda para verificar se existe algum problema. Em caso positivo, ajude a corrigi-lo. Essa é uma excelente forma de aumentar a probabilidade de mais vendas a esse cliente.

Em resumo, procure vender um produto que satisfaça as necessidades do comprador, e não se esqueça de que só se considera fechada uma venda depois que a compra real tiver sido concluída e que você deve continuar reforçando as atitudes do comprador em relação ao produto o tempo todo, mesmo depois da venda.

Essa prática reduz a percepção de risco de fazer uma má compra, o que permite que os compradores escutem e acreditem em sua mensagem de vendas, embora algumas de suas propostas possam estar fora dos planos de compra deles, além de também reduzir a dissonância pós-compra que eles possam sentir.

Compradores que adquiriram confiança em suas afirmações quanto ao produto acreditam que você irá ajudá-los a usar esse produto adequadamente.


CASO 4.

Li, recentemente, um excelente post em um blog norte americano sobre percepção e dissonância cognitiva.

O autor descreve um estudo estatístico feito na Segunda Guerra, com o intuito de blindar os aviões de combate nas áreas mais frágeis e evitar o aumento no número de baixas de soldados e aeronaves.

Ao examinar os aviões que retornavam às bases aéreas americanas, o estatísco Abraham Wald detectou um padrão de áreas atingidas na fuselagem das aeronaves. Com pequenas variações, o sinistro era sempre numa área que pouco variava de um avião para outro.
Determinado o padrão, Wald partiu para a formulação de um novo modelo de blindagem, que em primeira análise, sugeriria uma óbvia aplicação de mais proteção nas áreas mais constantemente atingidas.

Para a surpresa geral, em sua apresentação de resultados do estudo, Wald teve um insight um tanto óbvio quanto brilhante.

Sugeriu um modelo de blindagem que protegia diversas áreas das aeronaves, exceto todas aquelas em que eram mais frequentemente atingidas.

Justificou sua conclusão pela percepção, ou pela falsa percepção que nos leva a enxergar as ações de planos de sucesso, sem saber se os planos de fracasso também adotavam o mesmo padrão de comportamento. Ou seja, se os aviões eram atingidos quase sempre no mesmo lugar e ainda sim voltavam para as bases, significava que era claro que as avarias naqueles locais não eram fatais.

E que muito provavelmente, os aviões abatidos, e que não podiam ser avaliados, apresentariam buracos de bala em áreas distintas, daquelas estatisticamente, mais afetadas.

Nos mostra claramente, que às vezes, ou sempre, devemos olhar mais para os fracassos, do que para os sucessos.


CASO 5.

Marian Keech era a líder de uma seita OVNI nos anos 1950. Alegava receber mensagens de extraterrestres conhecidos como Os Guardiães através de escrita automática. Assim como os membros da seita Heaven's Gate fizeram quarenta anos mais tarde, Keech e seus seguidores, conhecidos como Os Buscadores da Irmandade dos Sete Raios, esperavam ser recolhidos por discos voadores.

Segundo as profecias de Keech, seu grupo de 11 pessoas seria salvo pouco antes que a Terra fosse destruída por um dilúvio maciço em 21 de dezembro de 1954. Quando se tornou evidente que não haveria nenhum dilúvio e que os Guardiães não passarIam para apanhá-los, Keech ficou exultante. Disse ter acabado de receber uma mensagem telepática dos Guardiães, dizendo que seu grupo de seguidores havia espalhado tanta luz com sua inabalável fé que Deus havia poupado o mundo do cataclismo.

Mais importante é o fato de que os Buscadores não a abandonaram. A maioria se tornou mais devota após a falha da profecia. Apenas dois deixaram a seita quando o mundo não acabou. A maioria dos discípulos não só permaneceu como, após tomar essa decisão, estavam então ainda mais convencidos que antes de que Keech estava certa o tempo todo.

O fato de estarem errados os transformou em crentes fanáticos.

Algumas pessoas são capazes de ir longe para evitar a incompatibilidade entre suas crenças mais caras e os fatos. Mas por que as pessoas interpretam as mesmas evidências de formas contrárias?

Os Buscadores não teriam esperado pelo disco voador se achassem que ele poderia não vir. Assim, quando ele não veio, seria de se esperar que alguém que pensasse de forma competente teria visto isso como uma refutação da alegação de Keech de que ele viria. No entanto, os maus pensadores foram feitos incompetentes pela devoção a Keech. Sua crença de que um disco voador os apanharia era baseada em fé, não em evidências. Da mesma forma, a crença de que o fracasso da profecia não deveria ser levado em conta contra suas crenças foi mais um ato de fé.

Com esse tipo de pensamento irracional, poderia parecer inútil apresentar evidências para tentar convencer as pessoas de seus erros. Sua crença não é baseada em evidências, mas na devoção a uma pessoa. Essa devoção pode ser tão grande que mesmo o mais condenável comportamento de um profeta pode ser racionalizado.

Há muitos exemplos de pessoas tão devotas a alguém que poderiam racionalizar ou ignorar abusos físicos e mentais extremos de seu líder de seita (ou cônjuge, ou namorado).

Se a base da crença de uma pessoa é fé irracional, fundamentada na devoção a uma personalidade poderosa, a única opção que essa pessoa tem ao ser confrontada com evidências que poderiam minar sua fé seria continuar a ser irracional, a não ser que essa fé não fosse mesmo tão grande.

A questão interessante, então, não é de dissonância cognitiva e sim de fé. O que havia em Keech que teria levado algumas pessoas a terem fé em sua pessoa, e o que havia nessas pessoas que as teria tornado vulneráveis a Keech? E o que havia de diferente nos dois que abandonaram a seita?
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Abraham Shapiro é consultor e coach de líderes. Sua filosofia de trabalho, em uma só palavra, é: simplicidade. Contatos: shapiro@shapiro.com.br ou (43) 8814 1473